domingo, 14 de dezembro de 2008

Madalena do Blog Meus Poemas Favoritos


http://spleenbored-minhaspoesiasfavoritas.blogspot.com/
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É UM NÃO QUERER MAIS QUE BEM QUERER*
I
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Gosto de ti apaixonadamente,
De ti que és a vitória, a salvação,
De ti que me trouxeste pela mão
Até ao brilho desta chama quente.
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A tua linda voz de água corrente
Ensinou-me a cantar... e essa canção
Foi ritmo nos meus versos de paixão,
Foi graça no meu peito de descrente.
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Bordão a amparar minha cegueira,
Da noite negra o mágico farol,
Cravos rubros a arder numa fogueira!
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Eu eu, que era neste mundo uma vencida,
Ergo a cabeça ao alto, encaro o Sol!
- Águia real, apontas-me a subida!
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Florbela Espanca
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*Aos dez sonetos seguintes, numerados de I a X, serve de título este verso de Camões.
Sonetos publicados no livro "Charneca em Flor" 2ª edição,
publicação póstuma, Lisboa 1931.
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II

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Meu amor, meu Amado, vê... repara:
Pois a os teu lindos olhos de oiro em mim,
- Dos meus beijos de amor Deus fez-me avara
Para nunca os contares até ao fim.
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Meus olhos têm tons de pedra rara
- É só para teu bem que os tenho assim -
E as minhas mãos são fontes de água clara
A cantar sobre a sede dum jardim.
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Sou triste como a folha ao abandono
Num parque solitário, pelo Outono,
Sobre um lago onde vogam nenufares...
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Deus fez-me atravessar o teu caminho...
- Que contas dás a Deus indo sózinho,
Passando junto a mim, sem me encontrares?
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Florbela Espanca
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III

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Frémito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doido anseio dos meus braços a abraçar-te,
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Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!
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E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que me não amas...
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E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas...
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Florbela Espanca
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IV

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És tu! És tu! Sempre vieste, enfim!
Oiço de novo o riso dos teus passos!
s tu que eu vejo a estender-me os braços
Que Deus criou pra me abraçar a mim!
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Tudo é divino e santo visto assim...
Foram-se os desalentos, os cansaços...
O mundo não é mundo: é um jardim!
Um céu aberto: longes, os espaços!
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Prende-me toda, Amor, prende-me bem!
Que vês tu em redor? Não há ninguém!
A Terra? - Um astro morto que flutua...
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Tudo o que é chama a arder, tudo o que sente,
Tudo o que é vida e vibra eternamente
É tu seres meu, Amor, e eu ser tua!
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Florbela Espanca
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V

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Dize-me, Amor, como te sou querida,
Conta-me a glória do teu sonho eleito,
Aninha-me a sorrir junto ao teu peito,
Arranca-me dos pântanos da vida.
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Embriagada numa estranha lida,
Trago nas mãos o coração desfeito.
Mostra-me a luz, ensina-me o preceito
Que me salve e levante redimida!
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Nesta negra cisterna em que me afundo,
Sem quimeras, sem crenças, sem ternura,
Agonia sem fé dum moribundo,
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Grito o teu nome numa sede estranha,
Como se fosse, Amor, toda a frescura
Das cristalinas águas da montanha!
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Florbela Espanca
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VI

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Falo de ti às pedras das estradas,
E ao sol que é loiro como o teu olhar,
Falo ao rio, que desdobra a faiscar,
Vestidos de Princesas e de Fadas;
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Falo às gaivotas de asas desdobradas,
Lembrando lenços brancos a acenar,
E aos mastros que apunhalam o luar
Na solidão das noites consteladas;
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Digo os anseios, os sonhos, os desejos
De onde a tua alma, tonta de vitória,
Levanta ao céu a torre dos meus beijos!
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E os meus gritos de amor, cruzando o espaço,
Sobre os brocados fúlgidos da glória,
São astros que me tombam do regaço!
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Florbela Espanca
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VII

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São mortos os que nunca acreditaram
Que esta vida é somente uma passagem,
Um atalho sombrio, uma paisagem
Onde os nossos sentidos se poisaram.
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São mortos os que nunca alevantaram
De entre escombros a Torre de Menagem
Dos seus sonhos de orgulho e de coragem,
E os que não riram, e os que não choraram.
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Que Deus faça de mim, quando eu morrer,
Quando eu partir para o País da Luz,
A sombra calma de um entardecer,
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Tombando, em doces pregas de mortalha,
Sobre o teu corpo heróico, posto em cruz,
Na solidão dum campo de batalha!
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Florbela Espanca
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VIII

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Abrir os olhos, procurar a luz,
De coração erguido ao alto, em chama,
Que tudo neste mundo se reduz
A ver os astros cintilar na lama!
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Amar o sol da glória e a voz da fama
Que em clamorosos gritos se traduz!
Com misericórdia, amar quem nos não ama,
E deixar que nos preguem numa cruz!
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Sobre um sonho desfeito erguer a torre
Doutro sonho mais alto e, se esse morrer,
Mais outro, e outro ainda, toda a vida!
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Que importa que nos vençam desenganos,
Se pudermos contar os nossos anos
Assim como degraus duma subida?
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Florbela Espanca
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IX

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Perdi os meus fantásticos castelos
Como névoa distante que se esfuma...
Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los:
Quebrei as minhas lanças uma a uma!
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Perdi minhas galeras entre os gelos
Que se afundaram sobre um mar de bruma...
- Tantos escolhos! Quem podia vê-los? -
Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma!
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Perdi a minha taça, o meu anel,
A minha cota de aço, o meu corcel,
Perdi meu elmo de oiro e pedrarias...
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Sobem-me aos lábios súplicas estranhas...
Sobre o meu coração pesam montanhas...
Olho assombrada as minhas mãos vazias...
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Florbela Espanca
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X

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Eu queria mais altas as estrelas,
Mais largo o espaço, o Sol mais criador,
Mais refulgente a Lua, o mar maior,
Mais cavadas as ondas e mais belas;
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Mais amplas, mais rasgadas as janelas
Das almas, mais rosais a abrir em flor,
Mais montanhas, mais asas de condor,
Mais sangue sobre a cruz das caravelas!
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E abrir os braços e viver a vida-
Quanto mais funda e lúgubre a descida,
Mais alta é a ladeira que não cansa!
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E, acabada a tarefa... em paz, contente,
Um dia adormecer, serenamente,
Como dorme no berço uma criança!
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Florbela Espanca
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*Homenagem à poetisa portuguesa, nascida há 114 anos no dia 08/12,batizada Flor Bela Lobo,viveu como Florbela d’Alma da Conceição Espanca,imortalizada como FLORBELA ESPANCA.
*Arte final das fotografias, Regina Helena Siqueira
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Este post faz parte da blogagem coletiva Interlúdio com Florbela,promovido pelo Blog Interlúdio.
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