sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

O Escriba do Blog Soma de Letras

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LEMBRAR FLORBELA ESPANCA
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Muito se tem escrito sobre Florbela Espanca. Da singularidade da sua obra poética. Do seu carácter, da sua inquietude, da sua melancolia. Não venho, por isso, acrescentar nada. O que aqui trago é um olhar sobre um pormenor da sua vida. Na Primavera/ Verão de 1918, Florbela veio para o Algarve tratar-se do grave problema de saúde que a apoquentava. “Veio atraída pelo clima ameno, dos ares puros e grande salubridade da orla marítima”. Instalou-se em Quelfes, pequena freguesia do concelho de Olhão, na casa da cunhada Doroteia, professora primária na escola da aldeia.
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Edifício da antiga escola primária de Quelfes
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Mas “Florbela amava a cidade, o movimento, o reboliço, a sua roda de amigos (…)”, “era uma mulher de excepção, estranha à sociedade envolvente e com sérias dificuldades de adaptação a regras de conduta social, que se antepunham à sua intrínseca necessidade de libertação”. Assim, a sua passagem por Quelfes não se traduziu, de modo algum, em felicidade. “A solidão exasperante da aldeia atormentava o seu espírito sequioso de comunicação, carinho, afecto admiração… de fama , com a qual sempre sonhou, mas que só veio a obter depois da morte”.“Foram seis meses de forçado sossego, algum marasmo e uma imensa solidão literária. Quase um degredo, com que se não compadecia o seu natural estado de espírito.”
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Altiva e couraçada de desdém
Vivo sozinha em meu castelo, a Dor…
Debruço-me às ameias ao sol-pôr
E ponho-me a cismar não sei em quem!
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Castelã da Tristeza, vês alguém?!...
-E o meu olhar é interrogador…
E rio e choro! É sempre o mesmo horror
E nunca, nunca vi passar ninguém!
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-Castelã da Tristeza, porque choras,
Lendo toda de branco um livro d’horas
À sombra rendilhada dos vitrais?...
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Castelã da Tristeza, é bem verdade,
Que a tragédia infinita é a Saudade!
Que a tragédia infinita é Nunca Mais!!!
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No entanto, Florbela gostava do casario branco de Olhão, onde às vezes vinha, e de ver o pôr do sol na Ria Formosa.“Existem sonetos que recordam esses momentos inesquecíveis, marchetados pela inebriante beleza de um sol refulgente, que empresta a este céu aquele azul extasiante que só os poetas sabem cantar. Escreveu-os em Quelfes, inspirada na tristeza da sua solidão acompanhada”.
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É triste, diz a gente, a vastidão
Do Mar imenso! E aquela voz fatal
Com que ele fala, agita o nosso mal!...
E a Noite é triste, como a Extrema-Unção.
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É triste e dilacera o coração
Um poente do nosso Portugal!
E não vêem que eu sou…eu…afinal,
A coisa mais magoada das que o são!
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Poentes d’agonia tenho-os eu
Dentro de mim, e tudo quanto é meu
É um triste poente d’amargura!
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E a vastidão do Mar, toda essa água
Trago-a dentro de mim num mar de Mágoa!
E a Noite sou eu própria, a Noite escura!
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No dia 8 de Dezembro de 1930, Forbela Espanca libertou as amarras que a prendiam à desilusão na procura da felicidade, ao conflito interior. Completava nesse dia 36 anos, e, nas suas palavras, "Tudo será melhor do que esta vida!".
Fonte: "Florbela Espanca na Vila de Olhão", José Carlos Vilhena Mesquita, 1996
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Este post faz parte da Blogagem Coletiva Interlúdio com Florbela, promovida pelo Blog Interlúdio.

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