terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Ana P. do Blog Catando Poesias

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http://catandopoesias.blogspot.com/

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Florbela Espanca, uma obra de Carlos Bottelho
Alguns direitos reservados
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Meu Portugal
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Meu Portugal querido, minha terra
De risos e quimeras e canções
Tens dentro em ti, esse teu peito encerra,
Tudo que faz bater os corações!
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Tens o fado. A Canção triste e bendita
Que todos cantam pela vida fora;
O fado que dá vida e que palpita
Na calma da guitarra onde mora!
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Tu tens também a embriaguês suave
Dos campos, da paisagem ao sol poente,
E esse sol é como um canto d’ave
Que expira à beira-mar, suavemente…
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Tu tens, ó Pátria minha, as raparigas
Mais fescas, mais gentis do orbe imenso,
Tens os beijos, os risos, as cantigas
De seus lábios de sangue! … Às vezes, penso
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Que tu és, Pátria minha, branca fada
Boa e linda que Deus sonhou um dia,
Para lançar no mundo, ó Pátria amada
A beleza eterna, a arte, a poesia! …
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Trocando olhares (1915-1917)


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Caravelas
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Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! Já me perdi
Dum estranho país que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.
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Tanto tenho aprendido e não sei nada.
E as torres de marfim que construí
Em trágica loucura as destruí
Por minhas próprias mãos de malfadada!
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Se eu sempre fui assim este Mar-Morto,
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram.
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Caravelas doiradas a bailar ...
Ai, quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei à vida, e não voltaram! ...
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Livro de Soror Saudade (1923)
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Ódio
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À Aurora Aboim
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Ódio por Ele? Não ... Se o amei tanto,
Se tanto bem lhe quis no meu passado,
Se o encontrei depois de o ter sonhado,
Se à vida assim roubei todo o encanto,
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Que importa se mentiu? E se hoje o pranto
Turva o meu triste olhar, marmorizado,
Olhar de monja, trágico, gelado
Com um soturno e enorme Campo Santo!
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Nunca mais o amar já é bastante!
Quero senti-lo doutra, bem distante,
Como se fora meu, calma e serena!
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Ódio seria em mim saudade infinda,
Mágoa de o ter perdido, amor ainda!
Ódio por ele? Não ... não vale a pena ...
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Livro de Soror Saudade (1923)
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Este post faz parte da blogagem coletiva Interlúdio com Florbela, em comemoração ao 114o aniversário de nascimento (1894) e lembrança do 78o aniversário de morte (1930) da poetisa. Participar desta festa é um desafio, já que a obra de Florbela me intriga bastante.
Optei por trazer três poemas que demonstram minha percepção da sua produção. O primeiro, Meu Portugal, é um dos muitos exemplos de amor a terra pátria e nos transporta a uma outra outra paixão, também presente em Caravelas, que é o mar. É estar à beira-mar no primeiro, é o Mar-morto dentro de cada um no segundo. Caravelas também nos dá a noção de desamparo e deslocamento, e talvez de inadequação presente em seu trabalho. Caravelas ainda tem uma curiosidade: os primeiros versos nos remetem a uma citação de Dante Alighieri, também utilizado como recurso por Olavo Bilac.
A percepção de ter como objeto de amor o próprio amor (e vários são os amores de Florbela), não ter medo de se mostrar apaixonada (no primeiro terço do século XX) e a realidade da perda (que também foram muitas) estão em Ódio? - Não vale a pena odiá-lo, nunca mais o amar já é bastante!
Flor, responsável pela festa, criou um blog apenas para reunir as 90 homenagens. Passa!
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